Mona, vc é maluca?

Ninguém precisa ser um profundo estudioso de ciências políticas para compreender que o povo, a nação de um país é maior que seu representantes políticos, e por isso, como o personagem V do filme V de vingança disse, não é o povo que deveria temer seus governantes, mas o contrário.

Só que é difícil falar de política num país fanático religioso que acha que política se resume a candidato e partido, e não a absolutamente tudo que atravessa as nossas vidas em sociedade.

Sendo o sistema vigente o capitalismo, todo direito básico é transformado em produto: Saúde e educação de qualidade? Você tem que pagar. Transporte e lazer? Você tem que pagar. Moradia, por exemplo, se tornou um sonho tão inatingível que muitas construtoras romantizaram viver no espaço de uma cela de 16m² e vendem isso como um estilo de vida alternativo. O novo “hype” do custo de vida e ultra individualismo é não ter aspirações, pasmem, porque provavelmente você não vai conquistar sua casa própria e já virou até meme, como sempre, a única instituição brasileira que continua imbatível é a fábrica de memes de rir das próprias tragédias.

Aliás, memetizar um assunto sério é a forma mais eficaz de esvaziar seu significado e minar qualquer luta. Mas isso é assunto para outro texto. Talvez, se eu tiver paciência.

Mobilidade urbana? Você tem que pagar. E cada vez mais caro por um serviço cada vez pior. Eu moro na periferia de Niterói, cidade na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. A passagem da linha de ônibus que cruza o meu bairro é R$ 7,50. Uma das passagens de ônibus mais caras do Brasil.

Todos esses direitos humanos básicos, que deveriam ser de interesse de todos, basicamente se tornaram “bandeira de esquerdistas,” porque a oposição quer mais é que você pague por eles.

A política que dizem que não se discute, é o direito que você não tem.

A força de trabalho desse país se concentra nas periferias e favelas. Todos os dias milhões de trabalhadores se deslocam para os centros urbanos, outras cidades e áreas mais nobres para trabalhar. Levando em média duas horas de deslocamento. Totalizando 4 horas diárias no transporte público. Em média. Somando esse tempo ao das horas trabalhadas, que dificilmente são apenas as 8 horas previstas na CLT, quanto tempo sobra para um trabalhador VIVER? Curtir sua família? Descansar? Estudar? Cuidar da saúde?

Será que todos temos as mesmas 24 horas no dia? Será que basta se esforçar? Será quem quer dá um jeito? Será que vai passar sexta no Globo Repórter?

Em 2018, tivemos um vislumbre de como a nossa resistência é frágil. Fomos para as ruas em todo país em campanha contra o inelegível...e ele se elegeu. Se elegeu na base do ódio e fake News. Se elegeu porque o ódio se uniu num pacto de solidez, de forma muito mais organizada, fomentando a raiva e revolta de quem passa mais tempo indo e voltando do trabalho todo dia do que com suas famílias. Esse mesmo ódio se organizou nos templos dos mercadores da fé e do desespero das pessoas que doam o que não tem. Eles se organizaram porque tem a seu dispor recursos quase infinitos da elite do atraso que lucra com o abismo de desigualdade.  

E nós? Nós aqui de esquerda, resistência desde 1500, pretos, pobres, indígenas, classe trabalhadora com consciência de classe estamos presos sobrevivendo sem tempo para nos organizarmos, e muito infelizmente, muitos se perdendo numa batalha de egos.

Ainda em 2018 nós tivemos um número recorde de candidatos a presidência, candidatos de mesma chapa que poderiam ter se unido numa chapa única no enfrentamento ao mal que se consolidaria nos quatro anos de retrocesso que tivemos, e assim, mais de meio milhão de brasileiros não sobreviveram nesses quatro anos. Enfatizo, não estou culpabilizando a desunião apenas constatando o fato dela continuar existindo. Inclusive, dentro de partidos de esquerda.

Muitos dizem que socialismo e comunismo são utopia, eu já acho que esquerda em países com herança colonial é a verdadeira utopia. Para um governo com viés de esquerda ascender ao poder foi preciso coligações questionáveis e acordos duvidosos que culminaram num golpe.

A extrema direita e o nazifascismo se empoderaram e por quatro anos desfilou, cantou, dançou e destilou o pior que o ser humano pode ser. Enquanto isso a agente assiste e reposta para denunciar?

Um homem após ser acusado de violência de gênero se lança na política, faz um vídeo se vitimizando, cheio de apitos para cachorro, e dezenas de páginas respostam o vídeo dele para criticá-lo. Uma blogueira – ou várias delas – fala várias merdas preconceituosas e para rebater o que se faz? Repostam seus conteúdos, a promovendo. Dias depois ela faz um vídeo sem maquiagem e usando tons neutros se desculpa, e as pessoas passam a ver quem cometeu o delito, a infração ou o crime como vítima, e quem protestou como vilão. E giramos e giramos em torno do mesmo assunto. Eu venho observando esse joguinho desde 2015 quando ousei criar uma página de ativismo nas redes sociais.

O problema das redes sociais não são necessariamente as redes. É um local democrático, onde todos podem construir um espaço para sua voz e visão de mundo. O compromisso com a bandeira que se levanta e causa que se defende deveria ser maior do que o medo do engajamento cair, e aqui estou falando especificamente de páginas dedicadas ao ativismo que usam das mesmas estratégias sensacionalistas de grandes jornais e portais que ganham rios de dinheiro seguindo uma agenda de interesses. Quando páginas esquerdistas usam desses click baits para driblar o algoritmo da plataforma, esvaziam suas próprias pautas, prestam um desserviço e atrasam os avanços que temos “a passos de formiga e sem vontade” como canta Lulu Santos.

Para mim, uma das alas do porão no fundo desse poço, é ter que denunciar perfis de médicos, psicólogos e advogadas nas redes que expõem pessoas em situação de vulnerabilidade sem autorização de uso de imagem para vender seus serviços. Que dor vende tanto quanto sexo a gente já sabe, senão o Big Brother Brasil não estaria há 24 anos no ar com picos de audiência e arrecadação de bilhões de reais de anunciantes. Aparentemente a ética profissional foi pro lixo e ninguém viu.

E olha que eu nem vou entrar na cepa de homens que traem, agridem, matam e de pessoas preconceituosas ganharem centenas de milhares de seguidores após serem expostas e/ou condenadas por seus crimes.

O modelo de sociedade que temos hoje foi construído em cima de muito sangue. Não é à toa que tenha sido naturalizado a necessidade de ver tragédias para sentir algo parecido com empatia. A verdade é que o ser humano perdeu sua capacidade de ser humano. Apenas lágrimas brancas são capazes de comover. Há catástrofes climáticas acontecendo em vários países de maioria não-branca e sem infraestrutura, mas essas não dão nos jornais e plantões.

Os movimentos sociais precisam da força das redes e vice-versa, porque hoje, no século 21, podemos nos informar, nos unir e nos fortalecer de forma muito mais rápida e eficiente do que em reuniões semanais, protestar contra uma proposta absurda, chamar atenção de algum deputado progressista que abre uma representação ou denúncia ao ministério público graças a essas movimentações. Um post nas redes pode alcançar milhões de pessoas e o assunto pode virar pauta nos principais jornais do país. É um trabalho que deveria ser levado a sério e como tal reconhecido e remunerado.

Seguir pessoas negras te faz tão antirracista quanto um homem que diz não é machista porque sua mãe é uma mulher. Sua curtida não é protesto ou desconstrução de preconceito. Engajar na luta exige muito mais que isso. Exige um compromisso pessoal e intransferível.

Uma pessoa preta ou gorda ou lgbtqiapn+ ou mulher ascender a uma posição de poder não basta sem compromisso com o coletivo. Representatividade vazia não muda absolutamente nada. Estamos carentes e desesperados por mudanças, mas precisamos parar de nos emocionar com uma fala sensata de qualquer pessoa que constatando obviedades, mas sem um histórico de luta pelos direitos do povo.

O ano é 2024 sabe...ignorância é uma escolha.

As feministas que querem acabar com o patriarcado xingando homem de macho, fazendo piadinha de calvo e disfunção erétil, e os anticapitalistas que querem derrubar o sistema no grito sem combater o racismo do qual o sistema depende para se manter. Esses dois grupos entram num bar...

“Faz o L” virou o ar que muitos da oposição respiram mas, e se eu disser que muitos lulistas conseguem se igualar no nível de fanatismo que os bolsominions? Do presidente da república ao vereador da sua cidade, são todos funcionários públicos e devem ser cobrados e criticados por seus atos e falas erradas. Sou lulista e não me identifico com muitos lulistas que o idolatram como Messias.

Ouso citar a já batida, porém emblemática frase de Sueli Carneiro que explicita com perfeição todo esse texto: “Entre direita e esquerda, eu continuo preta.”

Eu não consigo apontar outra direção para resolver o problema do cirandismo da esquerda brasileira a não ser o antirracismo. Somos a maior parte da população desse país, mas ainda estamos preenchendo cotas em quase todos os lugares, porque ninguém quer descer desse altar imaginário de poder, mesmo dividindo as mesmas trincheiras não há uma união eficaz em prol do coletivo.

É, talvez essa seja minha nova utopia?!

Do meu cantinho aqui da periferia de Niterói e sem recurso e nem q.i., eu tenho feito o que eu posso através das redes para informar e gerar pensamento crítico.

Tenho uma amiga que sempre diz: “Nossa, se com o quase nada que você tem, você já faz o que faz, imagina se tivesse grana?” Pois é.

Muita gente com grana não tem a coragem de dar a cara a tapa que eu tenho, mas poderia contribuir para a continuação do meu trampo com o mínimo de dignidade. Mas aí mora outro problema, muita gente acha que ativista de direitos humanos é hippie, mártir, franciscano...eu nunca consegui pagar minhas contas com posicionamentos e ideologias, nunca uma marca veio me oferecer um trabalho por eu ser antirracista.

Enfim, caro progressista, conto contigo.

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