Bloqueios sociais são bloqueios afetivos.

Falar de amor e afetividade nunca é tarefa fácil porque exige um debruçamento sobre as intersecções na vida das pessoas. Há quem pense que o amor é igual para todo mundo, quando muitas vezes, só o amor não é o suficiente. 

E raciocinar sobre o amor pode ser um conflito para muita gente cujo único amor compreendido é o amor romântico, monogâmico, heteronormativo, cisgênero, etc... Como se não existisse outros campos afetivos, que aliás são estes os primeiros a nortear nosso conceito de amor: Família e amigos. 

Todos os dias alguém “descobre” que existe amor fora do aspecto romântico, fora de suas relações conjugais, que há amores livres no mundo, inclusive o único amor capaz de curar: o próprio. Este que te protege e te blinda de morder as iscas de migalhas de afetos que muitos insistem em oferecer.  

Nada contra comer um farelo de vez em quando, mas você não é pombo para tentar se convencer de que isso é o suficiente para te alimentar. A longo prazo pode ser que fique difícil entender que merece o banquete completo de respeito, admiração, responsabilidade afetiva e companheirismo, e não alguém que faça joguinhos contigo. 

Nada que você precisa pedir para alguém te dar,

vale a pena ter. 

Entre novos termos estrangeiros e trends comportamentais, o celibato sempre existiu. E ele não é exatamente uma escolha como a maioria pensa ser um botão interruptor que se liga e desliga e/ou carregado de dogmas religiosos.

Pessoas que lidam com doenças mentais e usam ansiolíticos podem ter uma grande perda de libido e assim não ter interesse por sexo, e se tornarem celibatárias. 

Muito para além das pessoas assexuais, há pessoas com tantos bloqueios sociais que dificultam uma vida com possibilidades de afeto para vivenciar plenamente sua sexualidade.

Agora é a parte que eu vou interseccionar essa questão com raça, classe, gênero e território. 

Finalmente tem se debatido o fim da escala de trabalho desumana 6x1.

Então pensa comigo: Uma pessoa que pega dois ônibus para ir e dois ônibus para voltar para casa, que trabalha todos os dias por 8 horas, o que totaliza uma média de 12 horas por dia fora de casa x 1 dia de folga por semana. 

Que hora, e com que dinheiro e energia o trabalhador vai sair para conhecer pessoas para vivenciar sua sexualidade?  

Se você chegou até aqui e pensou “quem quer dá um jeito” parabéns, você entendeu que afetividade assim como qualquer outro direito humano está na beirada da meritocracia

Aproveitar a vida? Quem quer dá um jeito! 

Estudar/fazer faculdade? Quem quer dá um jeito! 

Morar sozinho/comprar uma casa? Quem quer dá um jeito! 

Casar? Ter filhos? Quem quer dá um jeito! 

Se somente nossa vontade fosse o suficiente para conquistar tudo que desejamos, não existiria desigualdade no mundo, porque absolutamente ninguém gostaria de sofrer todos os dias para ter o mínimo de dignidade. 

Agora, se você é uma pessoa preta, pobre, mulher e/ou periférica, dificilmente você cresceu acessando afetividade plena, tanto em casa pela necessidade dos seus pais trabalharem a semana inteira, tanto pelas dificuldades do dia a dia que não te permitiram ter nem tempo, nem dinheiro para sair, aproveitar a vida, conhecer pessoas e “meter o loco” como muitos jovens ousam. 

Mães solo, pessoas PCDs, pessoas idosas, pessoas gordas...basicamente tudo diferente do padrão eurocêntrico estabelecido como o padrão de beleza, enfrenta dificuldades na área afetiva. E, por muitas vezes, se submetem a situações insalubres com pessoas manipuladoras e abusivas para sentir qualquer coisa que se assemelhe a carinho e afeto. 

Eu costumava ter uma imagem muito distorcida de mim mesma. Eu cresci achando que eu era uma pessoa desagradável e antipática por causa dos traumas de bullyings racistas na escola e dentro da minha família. Sendo que eu nunca distratei ninguém, nunca agi propositalmente para machucar alguém porque eu sei como a crueldade dói. Mas, ainda assim, eu acreditava que tinha algo horrível em mim para eu ser preterida por outras pessoas quando eu exigia respeito, ou era descartada quando eu não “servia” mais. E isso em todos os campos afetivos, sobretudo nas minhas amizades.  

Eu contei aqui que por conta da sobrevivência eu perdi décadas de convivência com minha mãe, mesmo morando sob o mesmo teto. O que pouca gente conta, talvez por vergonha ou medo do julgamento, é que muitas vezes perdemos também amigos pela falta de tempo para socializar e fortalecer os laços.  

Amizade é um relacionamento como outro qualquer que exige cuidados. Mas como fazer isso quando você está em dupla ou tripla jornada sobrevivendo? Muita gente não entende isso porque falta consciência social e empatia para compreender a dinâmica de diferentes realidades. 

Quando leio pelas redes sobre amizades de alta ou baixa manutenção, me volto ao bloqueio social espremido na equação Tempo + Dinheiro do capitalismo, que determina quem consegue viver uma vida plena repleta de afetos e possibilidades de viver o mais profundo desejo humano, que é o de amar e ser amado. 

Eu já senti muita culpa pelo discurso neofascista do que pobre pode ou não fazer da própria vida, de que desempregado deveria buscar emprego e não namoro. Como se todo desempregado fosse desocupado e/ou estivesse nessa situação porque quer. Relacionamentos são parcerias que exigem honestidade e respeito mútuo. Esse tipo de pensamento elitista, neoliberal fomenta um ultra individualismo que está correndo todas as nossas relações.  O maior bloqueio existente na minha vida (e ouso dizer que na vida da maioria das pessoas) e causador do meu sofrimento psíquico é financeiro. Meu bem-estar psicológico é determinado pela garantia de prover minhas necessidades essenciais. Esse modelo de sociedade é um cativeiro capitalista onde tudo se torna produto. Até mesmo o sentir-se vivo e não apenas existindo para sobreviver. 

O amor é tão político quanto o capital. 

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Graças a deus eu não tive pai!