Eu vivo esse texto...
Eu tenho muitos nomes,
Chata, feminista, antirracista, vitimista, mas podem me chamar de Triscila.
Com T de tatu para escrever direito.
Escrevo, disserto e crio conteúdo nas redes,
Tô procurando o amor e acredito que ele não rima com dor.
Peço gentilmente sua atenção emprestada pelos próximos minutos.
E por favor, encarecidamente, coloquem o seu telefone no mudo.
Os meus passos vieram muito antes de mim,
e eu demorei muito tempo para entender de onde eles vinham.
A minha mãe não estudou e não soube me explicar,
a minha vó não sabia também.
Muita gente da minha família e milhões de outras famílias como a minha ainda não sabem.
É a história do Brasil e de vários outros países que foram colonizados.
É a história que a escola não quer nos ensinar,
porque com consciência o povo tomaria as ruas para revolucionar.
Quem chegou nessas terras indígenas tendo terras para morar,
fugindo das guerras e da fome para sobreviver,
hoje diz que trabalhou muito pra chegar aonde está.
Os primeiros cotistas da história desse país,
cujos herdeiros falam que basta eu me esforçar,
que todos têm as mesmas 24 horas do dia.
E muitos acreditando nessa fantasia,
Trabalham desgraçadamente perdendo momentos preciosos em família,
achando que são insubstituíveis, vestindo a camisa da empresa, enriquecendo o patrão que nem na sua cara olharia, senão comprasse sua mão de obra por uma mixaria.
Meus ancestrais não vieram de cruzeiro para essas terras distantes.
As identidades foram apagadas, suas crenças demonizadas, seu amor rechaçado, nossa inteligência questionada.
De 1500 para 2024 não mudou muito essa realidade.
Imagina só, somos a maioria da população,
mas os locais de destaque e poder de decisão, ainda não.
Porém dominamos todos os índices de violência, quem diria,
Será que o tal pretos no topo é isso que significaria?
Sair de casa para trabalhar e estudar e voltar pra casa todo dia,
por si só a sobrevivência se torna um ato de resistência.
Calma, eu não tô te culpando pelo que os seus ancestrais inventaram,
Mas cá entre nós que é muito confortável os privilégios que têm aproveitado.
Não precisar se preocupar com um monte de coisa deve ser muito bom,
Eu preciso planejar com muito cuidado da roupa que eu visto até com o meu tom.
Por quase trinta anos eu tive meus cabelos alisados,
Não conhecia a textura dos fios que compunham a minha identidade,
Nem com black, nem com tranças, para emprego eu era entrevistada.
Já voltei pra casa chorando com dinheiro de passagem e roupa emprestada.
E hoje têm a pachorra de dizer que quem alisa é apropriação?!
Eu não tenho mais paciência com tanta falta de noção
Tá ficando pesado eu sei, e vai ficar mais.
É que a sua vida é muito mais leve do que a minha.
Eu carrego um alvo em cada pigmento de melanina.
E antes que digam, eu tenho amor-próprio e me acho bonita,
Ganho seguidores aonde eu vou, uma pena que eles nunca me dão curtida.
Em cada lugar que entro eu conto quantos parecidos comigo estão por ali.
São faxineiras, garçons, geralmente muitos nos almoxarifados e cozinhas.
É um trabalho invisibilizado e estrategicamente mal remunerado.
Que no período da pandemia muitos viram o quanto é importante,
facilita a vida de muita gente sem as preocupações constantes,
Que podem sonhar, viver, ter metas e objetivos a realizar,
mas que hoje, ufa, já voltamos ao normal, vamo esquecer e deixar isso pra lá.
Na época da escola eu fazia os trabalhos em grupo sozinha,
Porque ninguém queria ir à minha casa quando eu dizia que morava na periferia.
Sempre achavam que eu morava na favela.
Não tem nada de errado em ser favelado, aliás favelizado.
Certa vez uma pessoa me perguntou se eu tinha medo de favela,
Eu disse, não, eu tenho medo de estar numa quando a polícia entra nela.
Vocês não acham muito coincidência que a guerra as drogas só mata preto e pobre?
A maior apreensão de armas do rio de janeiro foi num condomínio de luxo numa área nobre.
Nas comunidades é tiro pra todo lado, 80 tiros num carro só por terem suspeitado.
Nos condomínios pode jogar até granada na polícia que nenhum tiro é disparado.
Acho que Tropa de Elite precisa de um terceiro filme porque até agora tem gente que não entendeu nada.
Deixa eu te falar uma coisa:
Voz, a gente sempre teve, ninguém deu e ninguém dá pra gente.
Desde os gritos nos troncos aos sussurros dos planos de fuga pros quilombos.
Se você quiser e se comprometer pode amplificar essa corrente.
Nossa cultura, nossos ritos, nossas tecnologias de liberdade,
Primeiro se chocam com nossa criatividade e depois a tomam como propriedade.
Somos “livres” a pouco mais de 100 anos, mas ainda estamos nos infiltrando na sociedade.
Há poucos anos eu tive a oportunidade de trabalhar com minha intelectualidade.
Quem hoje olha a minha vida com um pouquinho mais de dignidade jamais imaginaria como era a minha situação.
Sou de uma família do início do século passado que ainda acredita que trabalho de verdade dá calo na mão.
Sabemos muito bem de onde vem esse tipo de pensamento,
É muito triste como ensinaram a romantizar o sofrimento.
Dizem que faxina é um trabalho como outro qualquer,
Mas nenhum pai ou mãe sonha em ver seu filho esfregando o chão.
A porta é a dos fundos e o elevador é o de serviço
E eu que tô visitando não tenho a ver com isso.
Eu queria muito palestrar sobre filmes, séries, receitas e cultura pop,
Mas não dá enquanto minha pele for o alvo preferencial da cultura de morte.
Eu queria passar mais tempo consumindo coisas que eu gosto,
Mas sobreviver toma todo meu tempo até pra sonhar os meus poucos sonhos.
É bastante comum que o ser humano fique absorvido pela própria existência,
O que não é normal é passar a vida toda sem enxergar nenhuma outra vivência.
Ninguém perde nada se todos tiverem seus direitos respeitados.
Empatia não é se colocar no lugar do outro,
Quando fazemos isso levamos nosso ego junto,
Empatia é guardar seu ego no bolso e sentir com a pessoa ao seu lado.
E se eu falar de amor aqui a coisa piora bastante,
Ainda não chegamos a ser possibilidades românticas.
O amor tem cor e tudo que eu estou dizendo aqui é sobre isso.
E como disse uma amiga minha, parece que só gostam de mulher negra na internet.
Sou maravilhosa, linda, perfeita, mas sempre no sigilo.
Dizem que me admiram, mandam foguinho no story, mas não saem do direct.
O que ninguém sabe ninguém estraga, tem gente que ainda cai nessa palhaçada.
Aceitando qualquer migalha de afeto por medo da solidão,
Mas publicamente, ninguém segura a nossa mão.
E quando o fazem agem como se fosse um imenso favor,
Como se mulheres como eu não fossem dignas de amor.
Muita gente progressista diz que quer ser aliada,
A tomada de consciência é um exercício de autoconhecimento.
Ninguém precisa ler centenas de autores,
nem fazer alguém de wikipreta,
Basta ler mulheres negras:
Carolinas e Conceições,
Lélias e Elianas,
Marias e Djamilas,
Neusas e Julianas,
Antonietas e Carlas,
Elisas e Suelis,
Autoras negras brasileiras,
De ontem e hoje e que finalmente serão mais lidas,
que falam do combo de raça, classe, gênero e território.
Essa vivência tão única e também tão coletiva.
Dos abismos de desigualdade que alguns chamam de mimimi.
Dores dos outros que não os atinge e gostam de diminuir.
Há um tesão particular com o nosso sofrimento.
Não conseguem nos enxergar para além da luta.
Nossa alegria, nossos risos e conquistas parecem uma afronta,
Só servimos se estivermos os servindo, essa é a conduta.
A gente se perde, mas se encontra.
A gente cai, mas se levanta.
Resiliência é compulsória na nossa história.
Com sol, com chuva ou doente a gente sai pra batalhar.
As vezes dá raiva, não poder parar, sentir e chorar.
Nos desumanizam de várias maneiras diferentes.
Não podemos errar nem ainda estamos aprendendo.
As segundas chances, o “mas já se desculpou” têm a cor do privilégio.
Somos sentenciados pela mera suspeita enquanto alguns nem quando cometem crimes o são.
É preciso questionar, a quem interessa que as coisas permaneçam como estão?
Um ricaço pode atropelar e matar e sai livre com um carro de um milhão.
Um senador com droga no helicóptero ou filho de juíza com drogas e metralhadoras para uso próprio.
No Brasil é mais fácil uma pessoa roubar um desodorante e ir parar na prisão.
É revoltante como a justiça tem cor, gênero e até preço.
Aquela venda que ela usa na verdade é só um adereço.
“Uma andorinha só não faz verão”
Já dizia um velho ditado sobre a importância da coletividade.
Eu faço meu trabalho de formiguinha dentro das minhas limitações.
Crio conteúdos nas redes levantando conscientização sobre várias questões .
E muitas vezes me sentindo insuficiente diante de um sistema feito para moer a gente.
Eu acredito que se cada um fizer a sua parte,
Com responsabilidade, ética e empatia,
Haverá um futuro melhor para as próximas gerações não precisarem matar um leão por dia,
Tenho esperanças de que mais ninguém carregue as mesmas cicatrizes que as minhas.
Eu sou a maior procrastinadora que existe,
Sinto medo, ansiedade e duvido muito de mim,
E na prorrogação do segundo tempo, entrego excelência mesmo assim.
Eu fiquei apavorada quando me pediram esse texto,
Mas numa tarde de domingo eu me sentei e o produzi num estalar de dedos.
Tá tudo na mente, tá tudo no coração e tá tudo aqui pele.
Eu vivo e sobrevivo esse texto.
Eu não sei falar só desse contexto,
mas eu vou usar toda oportunidade que eu tiver para falar sim desse contexto.
Tem gente demais querendo invalidar o que 56 porcento da população passa,
Seria só por conivência ou uma profunda desumanidade?
Agradeço imensamente quem ficou e me emprestou sua atenção.
Eu entendo que é duro e amargo ter que ouvir certas verdades.
Se eduquem para educar seus filhos a respeitar.
Não é vergonha nenhuma mudar de opinião,
Vergonha é não ter opinião alguma para mudar.
Nossas diferenças existem para somar.
O que nos une é maior do que o que nos separa.
E mais uma vez, muito obrigada.